sexta-feira, 11 de setembro de 2009

Conto: Os nossos reflexos nus...

Cheirava àquele cheiro habitual de estação de comboios, quando o cheiro da terra molhada encontra também o cheiro das ferragens dos cabos por onde os comboios circulam, em pleno Cais do Sodré, onde muitos de nós passamos sem dar conta, onde vidas que mais tarde ou mais cedo já se cruzaram um dia, ali onde uns entram na cidade do pequeno caos e em que outros a deixam seja para seguir até ao outro lado do Tejo, quer seja para fugir até ao mar de Cascais ou arredores. Por ali, tudo passa, desde o descalço mendigo que cocheando vai ganhando a esmola do dia; ao mais conceituado presidente de um banco, ou empresa, ali tudo passa pelo pica, pelos condicionamentos de um lugar já ocupado, a uma reserva em pé de um lugar encostado a uma porta entreaberta...
Não importa a hora, há sempre alguém por cada carruagem que se passe, nem que seja apenas um individuo a ajeitar a gola do sobretudo, ou uma senhora que ve sem reparar as imagens de uma revista cor-de-rosa; nunca vi em muitos anos de caminho, uma que fosse vazia e mesmo quando ao entrar vazia me parecia passados minutos enchia de vida e gente...
Num desses dias, onde a chuva não sabe se quer ficar ou partir de vez, encontrava numa das carruagens Luísa, com os seus cabelos loiros apanhados num carapito de forma a não ficarem encharcados em água, lia silenciosamente um livro de capa verde azeitona que as letras sobresaiam em amarelo fosco, mas não conseguia le-lo do local que me sentava, estava no mundo que o autor criara para ela, tudo o resto era inexistente.
Por sua vez, Ricardo, seguia só no ultimo banco da carruagem, com o seu record na mão, lendo algum apontamento sobre o jogo de Domingo, em que o Benfica, clube de sua eleiçºao tinha feito um daqueles jogos que não se esquecem, tinha cabelo escuro, negro mesmo como o carvão, uns olhos intensos, que de tão intenso que se tornava o olhar afastava os olhos de quem quer que fosse dos seus labios vermelhos carnudos, era um homem masculo, uma figura que poderiamos ver em Milão, ou numa passerelle em Italia, era mais que perfeito, como diria uma amiga minha um Adonis, do qual nada era exagerado, mais belo que qualquer homem que tivesse visto, marcava presença, e mesmo assim continuava um homem humilde.
Reparava como ambos não se tinham ainda visto, nem cruzado, pelo menos que eu desse conta, reparava também que ao olha-los uma imagem se criava, um dia as suas vidas iriam ter que se cruzar, um dia que poderia ser hoje, ou no dia seguinte, mas que de certo se cruzariam, uma vez que ambos tinham algo a conhecer e descobrir, estavam ali nãp por mero acaso mas para serem algo na vida um do outro, o que só a vida lhes mostraria...

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