terça-feira, 26 de outubro de 2010

A Cor da Toalha

Como dizias_ "tudo aqui... são as tuas mãos nas minhas, assim juntas.".
Olhava-te nos olhos como quem vê o eterno por do sol no horizonte, sorria descaradamente, sabendo-te um beijo pronto a ser-me entregue na pele.
Estariam ainda juntas, hoje? Se o próprio destino não tivesse chegado cedo demais ao nosso cais!
Não esqueço, como era tudo tão quente, calmo, acolhedor e perfeito, até que tudo mudou assim de uma onda para outra...
Os graus de areia irregulares entre si, instalavam-e nos nossos pés, era como esfuliar o corpo de forma natural e barata, de vez a vez vinha um vento de norte para nos dizer que cedo viria o arrefecimento normal da noite, mas que importava, era refrescante, caminhávamos durante uma hora ou duas por aquele mesmo areal que nos beijava.
Não importava a bandeira, as pessoas, as toalhas, estávamos ali para respirar um pouco do iodo e da plenitude. Deveria ter importado a cor, naquele dia deveria ter importado a cor...
Lembras-te daquela família do menino de sardas, era lindo, tinha um rosto maroto, deixa ver se lembro, tinha, uns cabelos do mais escuro que alguma vez vi, um pele branca, agora pigmentada pelo sol apresentando já a cor de uma lagosta no tacho, uns olhos enormes verdes que se escondiam por vezes por detrás daquelas enormes pestanas negras, uns lábios carnudos vermelhos com uma língua marota num dos cantos enquanto fazia os eu castelo de areia... Brincava tão distraído e tão atento à sua obra de arte. Os seus familiares na toalha falavam entre si, só me recordo da toalha vermelha, impressionou-me a cor fazia um contraste abismal no creme da areia.
Lembro, como os teus dedos prendiam os meus e ambos os olhos se encontravam, até finalizarmos mais um e outro beijo. Lembras-te? Sei que também pensavas no mesmo, num futuro também nosso com crianças, assim que brincassem com areia e construíssem castelos e sonhos, sei que também tu sonhavas com esse sonho... Algo falhou! A cor da toalha...
Adorava o farol que o teu primo nos emprestou durante aquele nosso primeiro ano, e depois nos seguintes, uma vez por ano lá estávamos a passar férias solitários em duo, era como passar uma nova Lua de Mel, amava o que passei a odiar, o bater das ondas, o som do vento nas persianas, o cantar das gaivotas o ecoar dos barcos, até que partis-te...
Deveríamos ter tido atenção à cor! Não sei quando foi, nem como, sei que aconteceu e nada mais poderá ser feito, não te culpo...
A criança brincava com o seu balde azul e a pá verde, construindo o castelo com conchas, já tinha formas, já tinha algo de castelo, precisava do que mais? Porque precisamos sempre de mais? De mais? Estava tudo como deveria estar naquele final de tarde, porque haveria de querer mais? Creio que os maiores erros são aqueles em que nunca nos contentamos com nada, e escolhemos sempre algo mais... Para quê?
Ninguém pensou, ninguém viu, ninguém travou o castelo de crescer...
Estava um dia lindo de bandeira amarela, a criança caminhava convicta que precisava de mais um balde de agua para o seu castelo, caminhou até à beira e recolheu o seu meio litro.
Ainda me lembro, pernitas pequenas a enterrarem-se na areia molhada, a enterrarem-se, descontracção de todos... Descuido de todos... A onda veio e não esperou, levou o corpo pequeno de um menino que sonhava apenas com um castelo enorme de areia.
Desculpa, saltei sem pensar, sem pensar, saltei... Desculpa!
Procurei o menino, sei que também vieste, sem que também saltas-te, sei que também tentas-te salvar-lhe a vida...
Tudo era mais forte, toquei no corpo dele ainda mole, tentei puxar para cima, enquanto o meu corpo ia para baixo pela pressão da força da corrente, senti uma dor cortante um rasgo, ali as rochas são tantas, depois tudo o que vi sobre mim era uma mancha que crescia, depois senti a minha cabeça pesada, o meu corpo mais pesado, a vontade de ter ar, e de te ter, vi-te pelo passar da onda, estavas ali, depois amor, já nada vi a não ser um negro, acho que morri.
Nunca mais ouvi dizer_ "tudo aqui... são as tuas mãos nas minhas, assim juntas".
Queria eu o nosso tudo de novo mas aqui já poucas são as mãos quentes...

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