terça-feira, 11 de agosto de 2009

Rodolfo, a Lua e o "EU"


Rodolfo a Lua e o “Eu”

Ficava sentado no parapeito da janela a olhar a noite, enquanto a mesma descia a pela colina, deixando cair um Lua, que redonda se mantinha ali presa, mesmo de frente à janela de Rodolfo. Enorme, parecia querer dar-lhe luz durante aqueles minutos mudos em que apenas ele existia, ele as estrelas e a própria Lua.
Era um menino tímido, meigo, imaturo, ingénuo, ora um menino, tinha sete anos, rosto redondo, repleto de picadelas de uma tinta enferrujada, que contrastava com a falta de dois brancos dentes de leite, ambos seguidos na fila de espera para a queda, mostrando um buraco negro, onde por vezes uma língua mais matreira brincava; cabelo escorrido de uma cor imperceptível, nem laranja, nem vermelho, era de um violino em fogo, um castanho diferente, electrizante. A cada sorriso que dava mostrava umas covinhas em cada bochecha o que o tornavam adorável, não belo de morrer, mas tinha sem dúvida algo tinha um encanto só dele.
Era como todas as crianças atento, curioso, sonhador, a mente sempre longe a criar Mundos, os que existiam e os que ele próprio fazia questão que assim que os criasse mentalmente ficassem de alguma forma feitos, nem que fosse nas plasticinas que a sua avó lhe comprava, tinha uma colecção de Mundos, de todas as cores imagináveis, conjugações únicas, formas estranhas que só a mente de uma criança consegue criar, era um fazedor de sonhos, pelo menos dos sonhos dele.
Vivia perto da serra e do mar, era um privilegiado, conseguia usufruir de ambas as coisas, sem prescindir de uma ou outra. Olhava o mar de dia, à noite a serra, pelos contornos, pelas luzes, por tudo o que entre ambos os horizontes parecia despertar a sua imaginação.
Certa noite, alucinado com o brilho da Lua, e de certa forma zangado por esta ter levado o sol, o sol que lhe dera um dia de praia maravilhoso, onde vira como s estrelas agitavam os seus cinco braços na areia, quando eram tocadas pelas ondas, como um ouriço-do-mar lhe tinha ido parar à mão e milagrosamente tentara e conseguira escapar do perigo das mãos de uma criança, estava zangado por já não poder brincar.
_ Não fiques assim, Rodolfo!
_ Quem está aí? _ Olhava com os seus olhos verdes esbugalhados como se um fantasma fala-se com ele, ou então era uma sereia, a tal que o seu avô pescador lhe falara a semana passada, a tal que entoara uma melodia ao barco dos navegadores amigos do seu avô, a tal que os mesmos pescadores temiam. Seria mesmo ela?

Daqui! Olha-me!
_ Aparece, saí daí, quem és tu? _ Falava alto para que afugenta-se o mau espírito, ou a má sereia, o que fosse…
_ Sou eu, a Lua.
_ Quem?
_ A Lua, a Lua, à tua frente, Rodolfo! A Lua.
_ A Lua? A Lua, não fala. Não sou estúpido…
_ Pois não. Por isso te falo, porque não és estúpido.
_ Porque me falas?
_ Porque leio os sentimentos humanos, leio os teus.
_ Aí, sim? E que sinto eu?
_ Estás zangado comigo, porque fiz o claro, ficar escuro, o dia virar noite, acabei com o teu recreio, isto é muito do que pensas agora.
_ Oh!
_ Rodolfo, tu que és um menino inteligente, que fazes mundos dentro e fora do teu mundo; como podes só ver o teu lado?
_ Ah?
_ Sabes que quando apareço e o sol desaparece de ti, um outro menino, assim como tu, inteligente, meigo, sensível também vai usufruir um recreio. Sabes isso?
_ Não, não sei; nunca tinha pensado nisso.
_ Pois, então te digo meu menino de ouro; cada vez que o Sol nasce aqui, deste lado do Mundo, eu vou e roubo-o para ti, depois faço noite o dia, para que o menino do outro lado possa descansar, e tu brincar. Quando aqui estou, Rodolfo ele brinca, e tu deverias dormir. Quando me for embora, tu irás acordar do teu sono profundo e calmo, e irás brincar, sem pensar para onde foi a Lua! Entendes? O Mundo, real não é só no teu interesse, existe outros por aí como tu, que são tão importantes para mim como tu, o próprio sol gosta deles. Todos com os mesmos momentos de formas distintas, ainda tens o privilégio de conseguires ter muitas horas de sol, há locais distantes que o Sol visita pouco, sabias? Assim como eu, caminho, caminho muito, mas por vezes fico tão cansada que não consigo estar a todo o lado da mesma forma, mas considero todos dignos quer da minha presença, quer da presença da estrela maior, o Sol.
_ Eu não sabia que era assim… Desculpa por estar zangado contigo.
_ Não trago rancor, Rodolfo, sempre assim o foi, sempre assim o será, mais te digo, é por amar-te tanto que aqui te falo, para que entendas que o teu “EU” é-me importante mas não único.
_ Eu entendo, e agora gosto muito de ti.
_ Aproveita a Lua, enquanto aqui estou.
_ Olha, Lua, que luz é aquela? Ali no escuro?
_ É o Diogo.
_ O Diogo? Um menino?
_ Não, meu querido. É o menino-lula.
_ O menino-lula? O meu avô nunca me falou nele.
_ Pois não, ninguém fala. Sabes que idade tem?
_ Não!
_ Ora se não me falha a memória, tem cerca de 699 anos, olha nasceu no mesmo dia que tu, a horas diferentes.
_ Como sabes?
_ Estava presente no nascimento de ambos, foi num da de eclipse, eu e o Sol resolvemos brincar um pouco, e dar um fenómeno digno de ser visto, ora ambos estivemos quase na mesma altura, tu já eras nascido, tinhas um ano, e ele nasceu durante o eclipse. Todos preocupados em ver o eclipse, e eu e o Sol a ver quem via o bebe primeiro, já nem sei, a excitação era tanta, as pessoas só viram o nosso cruzar de corpos, mas no mar se tivessem atenção estava um fenómeno maior, o nascimento de um menino-lula; algo raro sabe? Estão em extinção. A noite estava escura, o céu meio preto meio vermelho, o mar, o mar esse tinha um rasto de cor branca, como se fosse coberto por pequenos cristais celestiais com luz própria. Era um rio de luz, e depois veio Diogo, pequenino, com um corpinho de bebe, mas já com uma luz intensa branca, sabes que as lulas de noite brilham no escuro do mar?
_ A sério? _ Abria os olhos e escancarava a boca cheia de curiosidade.
_ Sim, a sério! È por isso que os pescadores vão de noite fazer a pesca das lulas, para saber onde elas estão, e depois as vendem na lota, e depois chegam ao teu prato, bem ao teu não, que os amigos do teu avô dão sempre que apanham uma boa colheita. Eu bem os vejo a escolherem o melhor para ti, gostam muito do velho lobo-do-mar, o teu avô, sabes que ele já foi em tempos o meu grande companheiro? Tocava-me melodias lindas da sua gaita. Passava noites e noites a ouvi-lo. Agora já não o oiço. Nem sei se toca!
_ Toca sim, na praia, quando vou eu e ele, e está inverno, ele toca-me isso, e depois coloca-me as cavalitas e vamos pela areia molhada, a fazer desenhos com os pés grandes dele.
_ Ahahahaha, já fazia isso com o teu pai, depois com a tua tia, depois um dia com ambos, quando ambos andavam, até que, um dia nunca mais voltou…

_ Sim, ia de dia, comigo… Ia e vai.
_ Ah, então é o sol que tem esse privilégio! Mas também não faz mal, assim como os outros meninos têm direito, também eu e o Sol podemos partilhar a boa música do teu avô.
_ Um dia peço-lhe para me levar a ver o mar de noite e tocar para ti.
_ Farias isso por mim?
_ Sim, farei.

_ Obrigado, Rodolfo. Olha, já é muito tarde, vai agora descansar, e lembra-te quando cá estiver alguém como tu brinca. E sempre que vires o sol, estou a dar sonhos a um outro menino como tu.
_ Até amanhã Lua. Amo-te…

1 comentário:

  1. Cátia,

    depois deste conto...voltaram novamente as dúvidas. Escritora ou não? lol

    Um grande bjo e parabéns pelo texto.

    Até já...

    Pedrinho

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