segunda-feira, 18 de maio de 2009

Troncos



Arrancam-te pedaços sem pedir licença, olho-te e por mais que te veja, sinto a falta do que te cobria. Aos olhos dos demais poderá parecer beleza, aos meus pura tristeza.
Quebram os ganhos sem pedido de desculpa. Cortam, dilaceram-te de forma instantânea e cega, descobre-se uma paláda verdade o rosto sem vaidade, e tu, tu que deixavas os rios correrem por dentro da tua ceifa morres, tu, tu que deixavas o paço dos pássaros aí viverem, mortificas a tua alma, tu que raivas contra o sol poderoso, ficas fracasso por entre os pequenos ganhos, tu que centenas de anos te concederam a vida, tu, tu és cerrado como se nada fosses ou sentisses, piedade, uma gota. NADA!
Morres e matas quem mais te condena e te ama, ou aos que maltratam a tua pele. Mas e os outros, os outros como eu que de lágrima em lágrima se ferem, e os outros que ficam desolados ao ver o teu assassinato, como ficam?
Negras as mãos que no machado pegam cortando sem pensar, sem penar, sem sequer reconsiderar. Olho-te e juro fere, fere a memória, fere tudo aquilo que ali vivi, morre, morre algo mais de ti, morre a certeza de te ter, morre tudo, sabendo que nunca mais serás o mesmo jardim que olhava, nunca mais serás a sombra em que tantas as vezes me sentei, morre todas as cantorias que te desenhava no ar, morrem todas as melodias que se ouviam, do vento nas tuas folhas, dos melros e outros pássaros em ti, morrem as vidas que ali ficaram, as casas que ali estavam, morrem as andorinhas que te deixavam moradias, morre tudo isso, restam os largos e grossos troncos nus, hoje restam esses pedaços de ti, que de belo pouco ou nada têm. Sagaz veneno o do Homem que mata assim sem pensar, sagaz veneno o egoísmo sem pensar, sagaz esta maldita sorte que têm sem te cuidarem, sagaz as mãos que te cortam matando tudo o que sempre viste por aí viver.
Quantas vidas passaram no teu dorso? Quantas mãos te ladearam ou tentaram? Quantos como eu ali no teu pé sonharam? Quantos como eu ainda te lembraram?
Odeio ver-te assim. Juro que odeio, ver-te nua. Odeio tudo aquilo que te arrancaram, cada tronco, cada haste, cada folha, Malditos, mil vezes malditos, os que se julgam teus donos, também eu sou tua dona, também eu tenho direito em dizer não cortem essa árvore centenária, não cortem essa alma oxigenada, não cortem seus malditos esses troncos. Mas que RAIVA. De onde te conhecem? Será que conhecem? De onde vêm estes malditos demónios, que se julgam gente.
Porque ninguém te defende, nem em leis nem em nada.
Dá dó de te olhar, por isso, viro o rosto para não ver o teu triste semblante nu e pobre do teu um dia belo verde.
Malditos os que se julgam donos de ti, pois confesso que não serão jamais dignos do teu ar.
Sinto-te e sofro a cada folha que cai num chão imundo dos passos desses que me assassinam e nada são...

Lamento-te...


Foto: Hélder.


Avó hoje ali já morreu muita da tua rega, ali já morreu muito do teu penar...

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